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domingo, 25 de setembro de 2016

A concepção de justiça de John Rawls


Ao construir sua teoria sobre a justiça, John Rawls procura inicialmente, definir algumas idéias básicas que são desenvolvidas em capítulos posteriores. Para o autor, uma sociedade justa deve garantir a igualdade de liberdades e direitos entre os cidadãos, além do que, as leis somente devem ser mantidas se forem justas. No entanto, tendo em vista que a construção de uma sociedade completamente justa é praticamente impossível, tolera-se a existência de uma injustiça desde que esta sirva para evitar uma injustiça ainda maior.
O objetivo principal da justiça é segundo o autor, a estrutura básica da sociedade. Porém, antes de passarmos ao exame deste conceito, é necessário que façamos uma breve explicação sobre a idéia de sociedade presente no texto.
A sociedade, nesta teoria, corresponderia a “uma associação de pessoas mais ou menos auto-suficientes, que reconhecem certas regras de conduta como sendo vinculativas e, na sua maioria, agem de acordo com elas”. É importante salientar, que tais regras são concebidas para fomentar os bens daqueles que vivem de acordo com elas. Entretanto, embora haja uma certa harmonia de interesse entre os indivíduos, existem também diversas formas de conflitos, devido principalmente, às diferentes percepções que os sujeitos possuem da distribuição dos benefícios oriundos da cooperação social. Para resolver estes conflitos, o autor sugere que sejam adotados os princípios da justiça social. Somente eles podem garantir a divisão correta dos bens e encargos resultantes da interação em sociedade.
Um problema levantado por Rawls é o de que, em qualquer associação de pessoas os princípios básicos são também objeto de discórdia, conquanto cada indivíduo tenha uma noção própria daquilo que considera justo. Existe um certo consenso, segundo o qual o conceito de justiça estaria ligado a não existência de discriminações arbitrárias na atribuição dos direitos e deveres básicos. No entanto as noções de discriminação arbitrária e equilíbrio adequado são deixadas em aberto; o que afeta diretamente os problemas de coordenação, eficiência e estabilidade de uma dada sociedade.
A idéia de justiça pode ser aplicada em diversas circunstâncias, contudo, o foco de Rawls é a justiça social. Como já foi dito acima, o objeto principal da justiça é a estrutura básica da sociedade, esta sendo definida como “a forma pela qual as instituições sociais mais importantes distribuem os direitos e deveres fundamentais e determinam a divisão dos benefícios da cooperação em sociedade”. As instituições mais importantes são a constituição política e as principais estruturas econômicas e sociais. A estrutura básica deve ser o objeto primordial da justiça porque ela possui conseqüências profundas que estão presentes desde o início. Além disso, ela engloba diversas situações que influenciam diretamente as expectativas dos sujeitos, favorecendo uns em detrimento de outros. Essa dinâmica acaba inevitavelmente por gerar desigualdades. Os princípios da justiça devem, portanto, ser aplicados a estas desigualdades primeiramente.
Como o autor está preocupado com um caso bastante particular do problema da justiça, ele procura salientar que as idéias propostas são adequadas somente para a estrutura básica, não sendo possível aplica-las a outras situações ligadas à problemática da justiça. A teoria da justiça de Rawls se funda na busca pela definição da natureza e objetivos de uma sociedade perfeitamente justa. Há também uma forte preocupação em que a concepção de justiça social permita avaliar os aspectos distributivos da estrutura básica da sociedade.
Rawls introduz a partir de então, a teoria da justiça como eqüidade. De um modo bastante resumido, podemos dizer que nesta teoria os indivíduos em sociedade escolhem os princípios que devem orientar a distribuição dos deveres e dos benefícios e definem aquilo que considerarão justo ou injusto. Nesta situação, todos se beneficiam de igual liberdade. Uma outra característica da teoria acima descrita, é que nela os sujeitos são racionais e desinteressados.
A escolha dos princípios que vão nortear a teoria da justiça como eqüidade é um outro problema sobre o qual temos que fazer algumas considerações. Embora o autor apele para a racionalidade dos agentes, ele refuta o uso do princípio da utilidade por considera-lo incompatível com a concepção de uma cooperação social entre iguais destinada a assegurar benefícios mútuos.
Os princípios que os sujeitos na situação inicial devem escolher são: a igualdade na atribuição dos direitos e deveres básicos e a garantia de que as desigualdades econômicas e sociais serão toleradas apenas se resultarem em vantagens compensadoras para todos, em especial, os menos favorecidos. Assim, considerando que uma associação garante a todos um nível de bem-estar que cada indivíduo não seria capaz de obter sozinho, todos devem tomar parte na distribuição dos benefícios advindos da vida em sociedade.
Como já afirmamos acima, na teoria da justiça como eqüidade parte-se do pressuposto que os sujeitos definem previamente determinadas regras que vão orientar a distribuição das obrigações e dos deveres. A idéia que sustenta a possibilidade disto ocorrer é a posição original.
A posição original “constitui o status quo inicial adequado, o qual garante que os acordos nele alcançados são eqüitativos”. Algumas condições, no entanto, são necessárias para que a posição original ocorra de forma adequada. Portanto, é importante que a fortuna natural ou as circunstâncias sociais não influenciem a escolha dos princípios de uma sociedade. Também não devem ter influência as aspirações ou aptidões individuais, bem como devem ser desconsiderados os interesses pessoais. É necessário, destarte, que os sujeitos sejam desprovidos das informações que os afastariam uns dos outros e os guiariam pelos seus próprios interesses. É a esta necessidade de destituir os indivíduos de conhecimentos que impeçam que eles estabeleçam os acordos iniciais em uma condição de igualdade perfeita que Rawls chama de véu da ignorância. Somente através dele é possível supor que as partes podem ser iguais na posição original
Sob o véu da ignorância, os sujeitos são forçados a avaliar os princípios baseando-se apenas em considerações gerais. Algumas críticas feitas à aplicabilidade da noção de véu de ignorância referem-se principalmente ao fato de que a impossibilidade dos sujeitos obterem informações específicas dificulta o entendimento da posição original. Também se argumenta que a condição do véu de ignorância é irracional, uma vez que as decisões devem ser tomadas levando-se em consideração toda informação disponível. Rawls argumenta que dado que as partes desconhecem aquilo que as diferencia, se uma delas escolhe um qualquer princípio é porque certamente ele será o mais benéfico para todos. Ademais, sem as restrições ao conhecimento oriundas da aplicação do véu da ignorância o problema da negociação na posição original seria extremamente complexo. A introdução de conhecimentos mais específicos faria com que os resultados obtidos fossem influenciados por contingências arbitrárias. Assim, a arbitrariedade do mundo deve ser corrigida através do ajustamento da situação inicial. Vale lembrar, entretanto, que mesmo sob o véu da ignorância, as partes possuem toda a informação geral necessária.
Uma vez que uma das propostas de Rawls é estabelecer uma teoria alternativa ao Utilitarismo, faz-se necessária uma análise sucinta da maneira como o autor descreve e avalia esta teoria. A idéia principal da teoria utilitarista é de que “a sociedade está bem ordenada e, portanto, é justa, quando as suas instituições principais estão ordenadas de forma a conseguir a maior soma líquida de satisfação, obtida por adição dos resultados de todos os sujeitos que nela participam”. Basicamente, como a satisfação de um indivíduo pode ser definida como a soma dos diversos prazeres que ele experimentou no decorrer de sua vida, o bem-estar da sociedade pode também ser determinado pela somatória dos desejos dos indivíduos que a compõem. Assim, o bem-estar geral da sociedade é atingido quando todos se esforçam para atingir o seu próprio bem-estar. Na teoria utilitarista da justiça não importa a maneira como a soma das satisfações é distribuída entre os membros. A distribuição correta é aquela que possibilita a máxima satisfação. De acordo com esse pensamento, é aceitável, por exemplo, que seja cometida uma injustiça, ou que a liberdade de alguém seja cerceada desde que isso garanta uma maior liberdade para um número maior de pessoas. A crítica de Rawls a este princípio se deve ao fato de que ele transpõe um modelo aplicável a indivíduos para o plano coletivo. Desta forma, na teoria utilitarista, não há diferença entre o legislador e um empresário que adquiri mercadorias de acordo com a lógica de maximização de lucros. O legislador elabora leis pensando na aquilo que ele supõe ser mais útil para o maior número de pessoas, desconsiderando assim a pluralidade dos sujeitos. Uma outra objeção é que na teoria da justiça como eqüidade, ao contrário do que ocorre no utilitarismo, um dos princípios básicos é o de que a justiça deve garantir a inviolabilidade dos direitos básicos dos sujeitos. Em outras palavras, numa sociedade justa a liberdade de alguns poucos não deve ser sacrificada em prol da possibilidade de que outros, ainda que em maior número, possam partilhar de um bem maior.



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